domingo, 20 de janeiro de 2008

A MÍSTICA DA SALVAÇÃO

Feito, assim, a largos traços, o relato dos acontecimentos ocorridos
nesses tempos remotíssimos da pré-história, sobre os quais a cortina de
Cronos velou detalhes que teriam para nós, hoje em dia, imensurável
valor, vamos resumir agora o que sucedeu com os quatro grandes povos
citados, sobreviventes dos expurgos saneadores, povos esses cuja
história constitui o substrato, o pano de fundo do panorama espiritual
do mundo até o advento da história contemporânea.

É o relato do segundo ciclo da nossa divisão e vai centralizar a figura
sublime e consoladora do Messias de Deus que, nascendo na semente de
Abraão e no seio do povo de Israel, legou ao mundo um estatuto de vida
moral maravilhoso, capaz de levantar os homens aos mais altos cumes da
evolução planetária em todos os tempos.

A vida desses quatro povos é a vida da mesma humanidade, conforme a
conhecemos, na trama aparentemente inextricável de suas relações sociais
tumultuárias.

O tempo, valendo séculos, a partir daí, transcorreu, e as gerações se
foram sucedendo umas às outras, acumulando-se e se beneficiando do
esforço, dos sofrimentos e das experiências coletivas da raça.

O panorama terrestre sofreu modificações extraordinárias, com a
aplicação da inteligência na conquista da terra e seu cultivo; no
desenvolvimento progressivo da indústria, que passou, então, a se
utilizar amplamente dos metais e demais elementos da natureza; na
construção de cidades cada vez maiores e mais confortáveis; na formação
de sociedades cada vez melhor constituídas e mais complexas; de nações
mais poderosas; nas lutas da ciência, ainda incipiente, contra a
natureza altiva e indomável, que avaramente sonegava seus mistérios e
seus tesouros, só os liberando, com prudência e sabedoria, à medida que
a Razão humana se consolidava; lutas essas que, por fim, cumularam na
aquisição de conhecimentos obtidos à custa de esforços tremendos e
sacrificios sem conta.

Experiências, enfim, árduas e complexas, mas todas indispensáveis, as
quais caracterizam a evolução dos homens em todas as esferas e planos da
divina criação.

E, como seria natural que sucedesse, em todas essas incessantes
atividades os exilados foram, por seus líderes, os pioneiros, os guias e
condutores do rebanho imenso.

Predominaram no mundo e absorveram por cruzamentos inúmeros a massa
pouco evoluída e semipassiva dos habitantes primitivos.

É verdade que não foi, nem tem sido possível até hoje, obter-se a fusão
de todas as raças numa só, de características uniformes e harmônicas -
no que respeita principalmente à condição moral- o que dá margem a que
no planeta subsistam, coexistindo, tipos humanos da mais extravagante
disparidade: antropófagos ao lado de santos, silvícolas ao lado de
supercivilizados; isto, todavia, se compreende e justifica ao considerar
que a Terra é um orbe de expiação, onde forças

diversas e todas de natureza inferior se entrechocam, rumo a uma
homogeneidade que só futuramente poderá ser conseguida. Mas, por outro
lado, também é certo que, se não fora a benéfica enxertia representada
pela imigração dos capelinos, muito mais retardada ainda seria a
situação da Terra no conjunto dos mundos que compõem o seu sistema
sideral, mormente no campo intelectual.

Voltando, porém, àqueles recuados tempos de que estamos tratando,
verificamos que, apesar das duras vicissitudes por que passaram e das
alternativas de sucesso e fracasso na luta pela existência, a recordação
do paraíso perdido permaneceu indelével no espírito dos infelizes
degredados, robustecida, aliás, periodicamente, pelos estágios de maior
lucidez espiritual que gozavam no Espaço, no intervalo das sucessivas
reencarnações.

Sempre lhes fulgurou na alma sofredora a intuição da origem superior,
dos erros do pretérito e, sobretudo, das promessas de regresso, algum
dia, às regiões mais felizes do Cosmo.

Por onde quer que seus passos os levassem, no lamentoso peregrinar; onde
quer que levantassem, naqueles tempos, suas tendas rústicas ou
acendessem seus fogos familiares sempre, no íntimo dos corações, lhes
falava a voz acariciadora da esperança, rememorando as palavras daquela
Entidade Divina, senhora de todo poder que, nos páramos de luz onde
outrora habitaram, os reuniu e os confortou, antes do exílio,
prometendo-lhes auxílio e salvação.

Como narra Emmanuel:

- "Tendo ouvido a palavra do Divino Mestre antes de se estabelecerem no
mundo, as raças adâmicas, nos seus grupos isolados, guardaram as
reminiscências das promessas do Cristo, que, por sua vez, as fortaleceu
no seio das massas, enviando-lhes, periodicamente, seus missionários e
mensageiros".34

Sim: Rama, Fo-hi, Zoroastro, Hermes, Orfeu, Pitágoras, Sócrates,
Confúcio e Platão (para só nos referirmos aos mais conhecidos na
história do mundo ocidental) ou o próprio Cristo planetário em suas
diferentes representações como Numu, Juno, Anfion, Antúlio, Krisna,
Moisés, Buda e finalmente Jesus, esses emissários ou avatares crísticos,
em vários pontos da Terra e em épocas diferentes, realmente vieram, numa
seqüência harmoniosa e uniforme, trazer aos homens sofredores os
ensinamentos necessários ao aprimoramento dos seus espíritos, ao
alargamento da compreensão e ao apressamento dos seus resgates, todos
falando a mesma linguagem de redenção, segundo a época em que viveram e
a mentalidade dos povos em cujo seio habitaram.

Assim, pois, a lembrança do paraíso perdido e a mística da salvação pelo
regresso, tornaram-se comuns a todos os povos e influíram poderosamente
no estabelecimento dos cultos religiosos e das doutrinas filosóficas do
mundo; e ainda mais se fortificaram e tomaram corpo, mormente no que se
refere aos descendentes de Abraão, quando Moisés a isso se referiu, de
forma tão clara e evidente, na sua Gênese, ao revelar a queda do
primeiro homem e a maldição que ficou pesando sobre toda a sua
descendência.
***
34 A Caminho da Luz, cap. III. (Nota da Editora)

Ora, essa queda e essa maldição, que os fatos da própria vida em geral
confirmavam e, de outro lado, o peso sempre crescente dos sofrimentos
coletivos, deram motivo a que os degredados se convencessem de que o
remédio para tal situação estava acima de suas forças, além de seu
alcance, que somente por uma ajuda sobrenatural, apaziguadora da cólera
celeste, poderiam libertar-se deste mundo amargurado e voltar à
claridade dos mundos felizes.

Fracassando como homens e seguindo os impulsos da intuição imanente,
voltaram-se desesperados para as promessas do Cristo, certos de que
somente por esse meio alcançariam sua libertação; daí a crença e a
esperança universais em um Messias salvador.

Mas, por outro lado, isso também deu margem a que a maioria desses povos
se deixassem dominar por uma perniciosa egolatria, considerando-se no
gozo de privilégios que não atingiam a seus irmãos inferiores - os
Filhos da Terra.

Criaram, assim, cultos religiosos exclusivistas, inçados de processos
expiatórios, ritos evocativos, e, quanto aos hebreus, adotaram mesmo de
uma forma ainda mais radical e particularizada, o estigma da
circuncisão, para se marcarem em separado como um povo eleito, predileto
de Deus, destinado à bem-aventurança na terra e no céu.

Por isso - como ato de apaziguamento e de submissão - em quase todas as
partes do mundo os sacrificios de sangue, de homens e de animais eram
obrigatórios, variando as cerimônias, segundo o temperamento mais ou
menos brutal ou fanático dos oficiantes.

Os próprios cânones mosaicos, como os conhecemos, estabeleceram esses
sacrifícios sangrentos para o uso dos hebreus, e o Talmude, mais tarde,
ratificou a tradição, dizendo: "que o pecado original não podia ser
apagado senão com sangue".

E a tradição, se bem que de alguma forma transladada para uma concepção
mais alta ou mais mística, prevalece até nossos dias, nas religiões
chamadas cristãs, ao considerarem que os pecados dos homens foram
resgatados por Jesus, no Calvário, pelo preço do seu sangue, afastando
da frente dos homens a responsabilidade inelutável do esforço próprio
para a redenção espiritual.

Por tudo isso, se vê quão indelével e profunda essa tradição tinha
ficado gravada no espírito dos exilados e quanta amargura lhes causava a
lembrança da sentença a que estavam condenados.

E a mística ainda evoluiu mais: propagou-se a crença de que a
reabilitação não seria conseguida somente com esses sacrifícios
sangrentos, mas exigia, além disso, a intervenção de um ser superior,
estranho à vida terrestre, de um deus, enfim, a imolar-se pelos homens;
a crença de que o esforço humano, por mais terrível que fosse, não
bastaria para tão alto favor, se não fosse secundado pela ação de uma
entidade gloriosa e divina, que se declarasse protetora da raça e
fiadora de sua remissão.

Não compreendiam, no seu limitado entendimento, que essa desejada
reabilitação dependia unicamente deles próprios, do próprio
aperfeiçoamento espiritual, da conquista de virtudes enobrecedoras, dos
sentimentos de renúncia e de humildade que demonstrassem nas provas
pelas quais estavam passando.

Não sabiam-porque, infelizmente para eles, ainda não soara no mundo a
palavra esclarecedora do Divino Mestre - que o que com eles se passava
não constituía um acontecimento isolado, único em si mesmo, mas sim uma
alternativa da lei de evolução e da justiça divina, segundo a qual cada
um colhe os frutos das próprias obras.

Por isso, a crença em um salvador divino foi se propagando no tempo e no
espaço, atravessando milênios, e a voz sugestiva e influente dos
profetas de todas as partes, mas notadamente os de Israel, nada mais
fazia que difundir essa crença tornando-a, por fim, universal.

- "É por essa razão" - diz Emmanuel - "que as epopéias do Evangelho
foram previstas e cantadas alguns milênios antes da vinda do Sublime
Emissário".

Como conseqüência disso, e por esperarem um deus, passaram, então, os
homens a admitir que Ele, o Senhor, não poderia nascer como qualquer
outro ser humano, pelo contato carnal impuro; como não conheciam outro
processo de manifestação na carne, senão a reprodução, segundo as leis
do sexo, por toda parte começou a formar-se também a convicção de que o
Salvador nasceria de uma virgem que deveria conceber de forma
sobrenatural.

Por isso, na índia lendária, os avatares divinos nascem de virgens, como
de virgens nasceram Krisna e Buda; no zodíaco de Rama, a Virgem lá
estava no seu quadrante, amamentando o filho; no Egito, a deusa ísis,
mãe de Hórus, é virgem; na China, Sching-Mou, a Mãe Santa, é virgem;
virgem foi a mãe de

Zoroastro, o iluminado iniciador da Pérsia; todas as demais tradições,
como as dos druidas e até mesmo das raças nativas da América,
descendentes dos Atlantes, falavam dessa concepção misteriosa e não
habitual.

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